segunda-feira, 2 de maio de 2011

Dia do Trabalho: o Estado e a Imprensa como fiscais de direitos

Por Leonardo Sakamoto

http://blogdosakamoto.uol.com.br/2011/05/01/dia-do-trabalho-o-estado-e-a-imprensa-como-fiscais-de-direitos/

Em um país onde milhões de pessoas são tratadas como ferramentas descartáveis, a fiscalização do trabalho desempenha um papel fundamental. Ela não é perfeita, sabemos disso, noves fora casos de corrupção que ocorrem em todas as funções públicas. Mas sem esse aparato de vigilância, as relações capital/trabalho seriam bem piores do que realmente são. A desregulamentação não levaria à auto-regulação pela sociedade, como profetizam alguns economistas, mas sim ao caos total. Se com regras já temos trabalho escravo, infantil, precarização, imagine sem.

Além de beneficiar os empregadores que limam direitos de seus empregados, as tentativas de tirar poder da fiscalização – que vira e mexe entram na pauta do Congresso Nacional – tende a funcionar como ponta-de-lança para outras mudanças.

Diminuir a fiscalização aumenta o déficit nas contas da Previdência, pois reduz a taxa de carregamento do INSS (lembrando que, é claro, o chamado “rombo” é provocado em grande parte pelas empresas que sonegam). Idem para o FGTS, cujo caixa financia a casa própria e está bancando o PAC. Consequentemente, surgem outras propostas draconianas para resolver esses embrólios, como diminuir as aposentadorias abaixo do suficiente para sobreviver (como se já não fosse assim).

Esses projetos de redução de direitos não são emergenciais, como querem fazer crer pelo contrário. Fazem parte de uma mesma política para tirar o poder que o Estado tem de garantir que o empresariado tenha um patamar mínimo de bom senso. Com o aumento da competição, cresce também a precarização do trabalho e com ela o discurso da necessidade de flexibilização, ou seja: pá de cal nos direitos adquiridos e vamos embora que o mundo é uma selva.

Nesse ritmo, não me espantaria ver anúncios estampados em página dupla nas revistas semanais de circulação nacional dizendo: “O Banco X pensa em seus empregados. Ele paga 13º salário. Isso sim é responsabilidade social”. E nossos filhos olharão para aquilo e, espantados, perguntarão: “Mamãe, o que é esse tal de emprego?”

Aproveito para resgatar outro tema que já abordei aqui. Afinal de contas, nós jornalistas também somos fiscais das condições de trabalho, investigando e denunciando situações em que o contrato de compra e venda de mão-de-obra não é devidamente respeitado.

Muitas vezes não nos reconhecemos como classe trabalhadora. Devido às peculiaridades da profissão, desenvolvemos laços com o poder e convivemos em seus espaços, seduzidos por ele ou enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e que também somos operários, transformando fato em notícia, quando nossos serviços não são mais necessários em determinado lugar.

Ou, às vezes, nem isso. Já vi colegas se culparem por terem sido demitidos sem justa causa no melhor estilo “perdoa-me por me traíres” de Nelson Rodrigues. “Deveria ter virado mais madrugadas na redação”, “deveria ter me oferecido para trabalhar em todos os finais de semana”, “não deveria ter corrigido o português ruim do meu chefe”…

Fazer protestos por melhores condições? Imagina! É coisa de caixa de banco, de operário sujo de graxa ou de condutor de trem que atrasam nossa vida e geram congestionamentos na cidade. Ou de inglês, francês e italiano que têm a vida ganha e mamam no Estado. Enquanto isso, quem tem consciência de que é um trabalhador e reivindica coletivamente, como muitos bancários, metalúrgicos e metroviários, tem mais chances de obter o que acha justo.

Quando vejo algumas coberturas jornalísticas mal feitas de protestos e greves fico pensando como pessoas que não conseguem se reconhecer como classe trabalhadora podem entender as reivindicações de trabalhadores. O fato é que não somos observadores externos e nem podemos ser. Somos parte desse tecido social, desempenhamos uma função, somos parte da engrenagem, gostemos ou não.

A vida de jornalista, deixando de lado o falso glamour, não é fácil. Ainda mais com o processo de precarização da profissão que é mais intenso para aqueles que são patrões de si mesmo. Às vezes, é legal ser frila. Às vezes, não é.

Seria importante aproveitar momentos como este para participarmos mais dos debates sobre os desafios de ser um trabalhador da notícia. Pelo menos, estaríamos quebrando a barreira do silêncio e abrindo o diálogo nas redações. E não apenas fazendo figa para que o dissídio seja maior neste ano como se ele caísse do céu.

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