Por Alberto Dines
Do Observatório da Imprensa
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) comemorou na segunda-feira (17/8) o seu 30º aniversário. Jornalões e jornaizinhos abriram os seus champanhes e espumantes numa festa nacional, já que a entidade congrega 140 veículos, cerca de 90% da circulação dos diários editados no país (dados fornecidos pela presidente da associação, Judith Brito, em O Globo, 17/8, pág. 7).
Há sindicatos patronais mais antigos e até economicamente mais poderosos. Poucos, porém, conseguem obter a visibilidade da ANJ. Por óbvias razões: além da função legítima de lobby empresarial, a entidade funciona como um gigantesco pool em que o compartilhamento ocorre num nível acima do mero intercâmbio de informações jornalísticas.
A ANJ é um fascinante caso de estudo na esfera da ciência política, mas poucos acadêmicos se aventurariam a cometer um haraquiri profissional e condenar-se a um prematuro ostracismo. O livro A Força dos Jornais: os 30 anos da Associação Nacional de Jornais no processo de redemocratização brasileiro, de autoria da presidente da entidade em parceria com Ricardo Pedreira, ainda não está disponível nas livrarias, nem foi enviado às colunas e órgãos especializados. Não apenas este observador, mas certamente uma legião de cidadãos teria o maior interesse em examinar a trajetória desta instituição.
Greve fracassada
Por ora, somos obrigados a nos contentar com a mais completa matéria sobre a efeméride publicada no Estado de S.Paulo (domingo, 16/9, pág. A-10) e o material dado na Folha de S.Paulo (para assinantes), na terça-feira (18). A reportagem do Estadão merece calorosa saudação porque a cronologia da imprensa brasileira começa com os registros ao precursor do nosso jornalismo – o Correio Braziliense – e ao patriarca da nossa imprensa, Hipólito da Costa. Como sabem os leitores, espectadores e ouvintes dos Observatórios da Imprensa, estes comezinhos registros deveriam ter sido consignados há mais de um ano (maio-setembro de 2008), quando foram comemorados os 200 anos da fundação da imprensa brasileira. Aliás, não houve comemoração. A efeméride foi rigorosamente banida e ignorada pela ANJ.
A reabilitação do maçom Hipólito da Costa e do mensário que solitariamente editou ao longo de 14 anos no exílio londrino é o maior presente que a ANJ ofereceu à sociedade brasileira no seu natalício. Soa como uma reconciliação dos nossos jornais com a história do país. Tardia, porém certamente definitiva.
Os louvores ficam por aí. No que tange à própria crônica da ANJ, os erros são gritantes. O principal deles: a ANJ não foi criada em 17 de Agosto de 1979 para defender a liberdade de imprensa, como informa o título da matéria do Estadão. A associação foi criada como uma resposta direta à greve dos jornalistas de São Paulo, decidida pouco antes (17 de maio de 1979), efetivada dias depois (23/5) e, finalmente, encerrada após um rotundo fracasso (29/5). Quem reconheceu este fracasso com a autoridade de um dos mais bem sucedidos líderes sindicais brasileiros foi o ex-metalúrgico e já então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. [Um relato das lembranças de Lula sobre a greve de 1979 pode ser lido no final do artigo "Elas", de Luiz Garcia, reproduzido neste OI (rolar a página) e no texto "A boa nova não foi notícia", deste observador).
Sem diálogo
A reação dos empresários foi natural e legítima dentro da jurássica lógica da luta de classes. Ilegítima porque inverídica é esta versão tardia e mal-costurada de que as negociações para a criação da ANJ começaram um ano antes da sua criação.
O patronato jornalístico do Rio e de São Paulo jamais conseguiu materializar uma entidade. O Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais do Rio de Janeiro era uma ficção. Seu habilidoso presidente, Antônio de Pádua Chagas Freitas, responsável pela transformação de O Dia numa grande empresa jornalística, deputado pelo antigo MDB (e padrinho do atual deputado Miro Teixeira), era informalmente presidente vitalício porque só ele conseguia comunicar-se simultaneamente com os arqui-rivais Manoel Francisco do Nascimento Brito (Jornal do Brasil) e Roberto Marinho (O Globo).
Em São Paulo não havia comunicação direta entre os principais acionistas dos ferrenhos concorrentes Folha e Estado. Os Mesquita não falavam com Octavio Frias de Oliveira, a comunicação entre as duas empresas dava-se por intermédio do relacionamento do sócio minoritário Carlos Caldeira Filho com o superintendente do Grupo Estado, José Maria Homem de Montes.
Operação inteligente
Apesar de fracassada, a greve dos jornalistas assustou o empresariado. Bem intencionada, a reportagem do Estadão atribui ao jovem jornalista Cláudio Chagas Freitas a idéia de reunir as empresas na mesma mesa ou debaixo do mesmo teto. O filho de Chagas Freitas era um jornalista dinâmico, entusiasmado, mas as suas preocupações concentravam-se principalmente no âmbito do jornalismo esportivo.
É justo que a ANJ queira homenagear o pai, o ex-deputado Chagas Freitas (mentor espiritual da ANJ), mas não deveria fazê-lo às custas da verdade histórica. Sobretudo porque Chagas Freitas senior, arrasado com a prematura morte do filho, acabou entregando sua próspera empresa a Ary de Carvalho numa exótica operação, anos depois legitimada pela ANJ.
A criação da ANJ foi uma operação extremamente inteligente em matéria corporativa e permitiu a entrada em cena da segunda geração de empresários (no caso do Estadão, a quarta). Os herdeiros das grandes empresas jornalísticas não se conheciam e souberam superar as idiossincrasias que confrontaram os seus pais. Discutível é o uso que mais tarde fizeram desta aproximação.
Compromisso jornalístico
A ANJ foi criada para evitar novas greves de jornalistas, esta é a verdade. Suas primeiras ações não visavam à preservação da liberdade de expressão, que naquela época era uma remota aspiração. Sua iniciativa política mais consistente e estridente foi o início da cruzada contra a obrigatoriedade do diploma específico, em 1985, depois da eleição de Tancredo Neves e do seu vice, José Sarney, quando se evidenciou a necessidade de uma nova Constituição.
O festejo empresarial é justo e deveria ser compartilhado por todos os segmentos da atividade jornalística. Já houve tempo em que a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), então presidida por Américo Antunes, e a ANJ, presidida por Jaime Sirotsky, participaram de eventos comuns, sem qualquer constrangimento, defendendo com dignidade posições opostas.
Em 1992, em Brasília, ANJ e Fenaj organizaram um seminário denominado "O Papel do Jornal" (titulo do livro deste observador, publicado 18 anos antes). Dois anos depois (1994), as duas entidades voltaram a encontrar-se em outro evento, o seminário fundador do Labjor, presidido pelo então reitor da Unicamp, Carlos Vogt, denominado "A Imprensa em Questão" (no Labjor incubou-se mais tarde o projeto deste Observatório da Imprensa). Além dessas, houve outras situações de convivência civilizada e profícua.
Esta convivência hoje é uma quimera. O "aprimoramento da indústria jornalística" levou a ANJ a assumir posições extremas, A entidade não patrocinou a brutal ação levada ao STF que resultou na extinção da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo e, na prática, liquidou no Brasil a milenar profissão de jornalista. Preferiu delegar o trabalhinho sujo a um sindicato patronal sem veleidades políticas, porém capitalizou a esmagadora vitória da argumentação – no mínimo apressada, diga-se – feita pelo ministro-relator, Gilmar Mendes.
Na matéria sobre a ANJ publicada no Estadão, a extinção da Lei de Imprensa é considerada como um triunfo da ANJ. Mas uma parte substancial dos seus associados está incomodada com o vazio legal resultante do fim deste estatuto. A questão do diploma não foi incluída no rol de vitórias da ANJ. A festejada entidade preferiu não assumir o tresloucado ato. Bom sinal.
Sinal mais auspicioso seria adotar plenamente o compromisso jornalístico de contar a verdade.
Depois disso, tudo é possível.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
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