Do site da Fenaj:
ANTÔNIO ÁLVARES DA SILVA*
Se a lei é, pela via interpretativa, contrária à Constituição e se o Congresso entender diversamente, pode ele perfeitamente fazer nova lei que predomine sobre a orientação do Supremo
Depois da decisão do STF sobre a desnecessidade de diploma para o exercício da profissão de jornalista, uma discussão paralela vem mobilizando a atenção de alguns juristas, embora desconhecida do grande público: pode o Congresso fazer lei exigindo o diploma, contrariando o que foi decidido no Supremo?
A questão é do mais alto interesse e envolve grande indagação de Direito Constitucional. Pela Constituição brasileira, o STF é o seu guardião. Cumpre-lhe defendê-la das agressões do legislador, da Administração Pública e até dos particulares. Esta é sua finalidade precípua e é para isto que existem tribunais e cortes constitucionais em todos os países. Se a Constituição é violada, quebra-se a hierarquia do ordenamento jurídico e deixa de existir o respeito às leis, responsável pela ordem social e pelo estado de direito.
Mas, também, está na Constituição que cabe ao Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) legislar sobre todos os assuntos de interesse do povo. Se ao Supremo é dada a competência para interpretar, ao Congresso é outorgada a competência para criar a norma. Todo e qualquer assunto, respeitada a Constituição, a ética e a moral vigentes e os princípios da cultura jurídica universal, pode ser objeto de lei e transformar-se em norma vigente na sociedade
humana.
Se o STF declara uma lei incompatível com a Constituição, exerce sua função autêntica e prioritária. Do mesmo modo, o Congresso, quando cria a lei. Se ela é julgada inconstitucional, pode o Parlamento repeti-la? Eis a questão.
Alguns ministros do Supremo e outras autoridades federais (por exemplo, o Advogado Geral da União) vêm afirmando que o assunto está encerrado e o legislador não pode mais exercer sua competência legislativa sobre o tema.
Esta afirmativa é errada e não se sustenta perante a lógica jurídica. A Constituição afirmou que - "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer" - art. 5º, XIII.
Portanto garantiu a liberdade de escolha e o exercício de qualquer profissão, mas deu também ao legislador a faculdade de estabelecer "qualificações profissionais", considerando as exigências técnicas, sociais e políticas de determinados profissionais.
O STF entendeu que a profissão de jornalista é livre, não estando sujeita à "qualificação profissional". Portanto julgou contra a Constituição, que permite ao legislador fixá-la. O Decreto-Lei 972/69, certo ou errado, impôs a exigência do diploma e foi recepcionado pela Constituição atual, pois em nada a contraria. Pelo contrário, revigora sua exigência de estabelecer qualificações profissionais.
Se o STF entende o oposto, pode a interpretação ter prioridade sobre a legislação? A resposta é negativa. Não pode. Se a lei é, pela via interpretativa, contrária à Constituição e se o Congresso entender diversamente, pode ele perfeitamente fazer nova lei que predomine sobre a orientação do Supremo. Caso contrário, o Judiciário passaria a ter mais força que o legislador. E estaria subvertido o mandamento de harmonia e independência entre os Poderes do Estado.
E note-se que não é sequer necessária emenda constitucional. Basta uma lei ordinária. Entre quem faz a Constituição e quem a interpreta, a predominância é do primeiro, em caso de conflito. Normalmente, o legislador não reedita lei considerada inconstitucional. E está certo, pois assim evita o conflito entre Poderes. Mas, se entende o contrário, tem plenos poderes para corrigir a interpretação que considera errada do Judiciário e impor a norma que entende correta.
O legislador é eleito pelo povo. E é dele, e não dos juízes, que emana todo e qualquer Poder dentro de um Estado democrático. A vontade popular é o fundamento da democracia representativa. É a sua força básica e o limite de sua ação. Se a vontade popular é contrariada, o regime não é mais democrático, pois resvala para o campo do arbítrio e da usurpação.
Ainda resta esperança aos jornalistas, se sua justa causa pelo diploma for encampada pelo Congresso Nacional.
* Professor titular da Faculdade de Direito de Minas Gerais e juiz do trabalho
Publicado originalmente pelo jornal HOJE EM DIA, de Belo Horizonte
terça-feira, 14 de julho de 2009
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